Páginas

REVOLTA DOS BÚZIOS - ELYSIO ATHAÍDE E SOLANGE COELHO

Seguidores

Pesquisar este blog

Total de visualizações de página

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

REVOLTA DOS BÚZIOS

Revolta dos Búzios ou Alfaiates














Conjuração Baiana

INTRODUÇÃO

Em agosto de 1798 começam a aparecer nas portas de igrejas e casas da Bahia, panfletos que pregavam um levante geral e a instalação de um governo democrático, livre e independente do poder metropolitano. Os mesmos ideais de república, liberdade e igualdade que estiveram presentes na Inconfidência Mineira, agitavam agora a Bahia.
As inflamadas discussões na "Academia dos Renascidos" resultarão na Conjuração Baiana em 1789. Esse movimento, também chamado de Revolta dos Alfaiates foi uma conspiração de caráter emancipacionista, articulada por pequenos comerciantes e artesãos, destacando-se os alfaiates, além de soldados, religiosos, intelectuais, e setores populares.
Se a singularidade da Inconfidência de Tiradentes está em seu sentido pioneiro, já que apesar de todos seus limites, foi o primeiro movimento social de caráter republicano em nossa história, a Conjuração Baiana, mais ampla em sua composição social, apresenta o componente popular que irá direciona-la para uma proposta também mais ampla, incluindo a abolição da escravatura. Eis aí a singularidade da Conjuração Baiana, que também é pioneira, por apresentar pela primeira vez em nossa história elementos das camadas populares articulados para conquista de uma república abolicionista.

ANTECEDENTES

A segunda metade do século XVIII é marcada por profundas transformações na história, que assinalam a crise do Antigo Regime europeu e de seu desdobramento na América, o Antigo Sistema Colonial.
No Brasil, os princípios iluministas e a independência dos Estados Unidos, já tinham influenciado a Inconfidência Mineira em 1789. Os ideais de liberdade e igualdade se contrastavam com a precária condição de vida do povo, sendo que, a elevada carga tributária e a escassez de alimentos, tornavam ainda mais grave o quadro sócio-econômico do Brasil. Este contexto será responsável por uma série de motins e ações extremadas dos setores mais pobres da população baiana, que em 1797 promoveu vários saques em estabelecimentos comerciais portugueses de Salvador.
Nessa conjuntura de crise, foi fundada em Salvador a "Academia dos Renascidos", uma associação literária que discutia os ideais do iluminismo e os problemas sociais que afetavam a população. Essa associação tinha sido criada pela loja maçônica "Cavaleiros da Luz", da qual participavam nomes ilustres da região, como o doutor Cipriano Barata e o professor Francisco Muniz Barreto, entre outros.
A conspiração para o movimento, surgiu com as discussões promovidas pela Academia dos Renascidos e contou com a participação de pequenos comerciantes, soldados, artesãos, alfaiates, negros libertos e mulatos, caracterizando-se assim, como um dos primeiros movimentos populares da História do Brasil.
A participação popular e o objetivo de emancipar a colônia e abolir a escravidão, marcam uma diferença qualitativa desse movimento em relação à Inconfidência Mineira, que marcada por uma composição social mais elitista, não se posicionou formalmente em relação ao escravismo.

A CONJURAÇÃO



Entre as lideranças do movimento, destacaram-se os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira (este com apenas 18 anos de idade), além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens, todos mulatos. Um outro destaque desse movimento foi a participação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento.
As ruas de Salvador foram tomadas pelos revolucionários Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas que iniciaram a panfletagem como forma de obter mais apoio popular e incitar à rebelião. Os panfletos difundiam pequenos textos e palavras de ordem, com base naquilo que as autoridades coloniais chamavam de "abomináveis princípios franceses".
A Revolta dos Alfaiates foi fortemente influenciada pela fase popular da Revolução Francesa, quando os jacobinos liderados por Robespierre conseguiram, apesar da ditadura política, importantes avanços sociais em benefício das camadas populares, como o sufrágio universal, ensino gratuito e abolição da escravidão nas colônias francesas. Essas conquistas, principalmente essa última influenciaram outros movimentos de independência na América Latina, destacando-se a luta por uma República abolicionista no Haiti e
em São Domingos, acompanhada de liberdade no comércio, do fim dos privilégios políticos e sociais, da punição aos membros do clero contrários à liberdade e do aumento do soldo dos militares.
A violenta repressão metropolitana conseguiu deter o movimento, que apenas iniciava-se, detendo e torturando os primeiros suspeitos. Governava a Bahia nessa época (1788-1801) D. Fernando José de Portugal e Castro, que encarregou o coronel Alexandre Teotônio de Souza de surpreender os revoltosos. Com as delações, os principais líderes foram presos e o movimento, que não chegou a se concretizar, foi totalmente desarticulado.
Após o processo de julgamento, os mais pobres como Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus do Nascimento e os mulatos Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas foram condenados à morte por enforcamento, sendo executados no Largo da Piedade a 8 de novembro de 1799. Outros, como Cipriano Barata, o tenente Hernógenes dâ??Aguilar e o professor Francisco Moniz foram absolvidos. Os pobres Inácio da Silva Pimentel, Romão Pinheiro, José Félix, Inácio Pires, Manuel José e Luiz de França Pires, foram acusados de envolvimento "grave", recebendo pena de prisão perpétua ou degredo na África. Já os elementos pertencentes à loja maçônica "Cavaleiros da Luz" foram absolvidos deixando clara que a pena pela condenação, correspondia à condição sócio-econômica e à origem racial dos condenados. A extrema dureza na condenação aos mais pobres, que eram negros e mulatos, é atribuída ao temor de que se repetissem no Brasil as rebeliões de negros e mulatos que, na mesma época, atingiam
as Antilhas.

Devassa, processo, condenações e execuções.
OS FATO S
1798
Salvador, 12 de agosto, domingo - Boletins “sediciosos” amanhecem afixados em
locais movimentados da Cidade. Na Cidade do Salvador, sede do governo da capitania da
Bahia, a ocorrência de um fato inusitado marcaria definitivamente a vida de seus habitantes
naqueles três últimos anos do século XVIII: a Cidade amanheceu sob o impacto do boato de
que papéis colados em portas e paredes de locais de movimento conclamavam a popula-
ção a se rebelar contra o domínio do governo de Portugal. Um total de 11 papéis manuscritos (não havia imprensa na Colônia) foi afixado na madrugada daquele dia em locais de
grande circulação, a exemplo da esquina da Praça do Palácio, atual Praça Tomé de Souza;
das Portas do Carmo, no Carmo; do Açougue da Praia, no bairro da Conceição da Praia; da
Igreja da Sé, hoje Praça da Sé e da Igreja do Passo, na subida da Ladeira do Carmo.
Naquele momento, a população tomou conhecimento da existência de um movimento que
pretendia dominar e apoderar-se do governo da capitania, proclamar a república e separá-
la do domínio português.
A divulgação dos “sediciosos” resultou de imediato na abertura da devassa ordenada
pelo governador da Capitania da Bahia de Todos os Santos, D. Fernando José de Portugal
e realizada pelos Desembargadores do Tribunal da Relação na Bahia – Manoel de Magalhães Pinto, Avelar de Barbedo e Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto. Procedeu-se, a
seguir, a prisão de Domingos da Silva Lisboa, mulato, escrevente, nascido em Portugal.
Em sua residência foram identificados papéis / cadernos com textos manuscritos, vistos
como comprometedores à ordem estabelecida. A comparação das letras contidas nos manuscritos indicava, conforme os autos, a sua culpabilidade.
22 de agosto, quarta-feira – novos boletins foram distribuídos. Desta vez, jogados por
debaixo das portas da Igreja do Carmo. A devassa já em andamento se intensificou por
conta desta reincidência.Através do método adotado pelas autoridades, de comparar a grafia
dos manuscritos, foi indicada também a culpabilidade do soldado de milícia Luiz Gonzaga
das Virgens que já dirigira diversas petições ao governador e que havia respondido por
crime de deserção.Em decorrência dessa suspeita, foi imediatamente preso.
23 de agosto, quinta-feira - Reunião na oficina do ourives Luís Pires. Compareceram,
na ocasião, Lucas Dantas de Amorim Torres,Manoel Faustino dos Santos Lira, João de
Deus do Nascimento, Nicolau de Andrade e José de Freitas Sacoto. As prováveis razões da
reunião remetem para a emergência de estabelecer o planejamento de libertação de Luiz
Gonzaga das Virgens e organizar o levante a partir do número de adeptos, além de marcar
uma outra reunião geral, prevista para o dia 25 no Campo do Dique do Desterro.
25 de agosto, sábado – Reunião no Campo do Dique do Desterro. Após o levantamento do número de adeptos do movimento na reunião anterior realizou-se esta, a partir de
uma convocação que pode ser vista como apressada, por terem cometido imprudências,
dentre as quais a convocação de pessoas suspeitas, inclusive dos três que seriam os delatores do movimento.
Compareceram os seguintes convidados: Manuel Faustino dos Santos Lira, que convidou José Raimundo Barata de Almeida, irmão de Cipriano Barata; Luís de França Pires, Inácio Pires e Manuel José de Vera Cruz, escravos do senhor de engenhos e Secretário Perpétuo do Estado do Brasil, José Pires de Carvalho e Albuquerque; José Félix da Costa, escravo de Francisco Vicente Viana, proprietário baiano, homem de prestígio que tinha acesso ao governador. João de Deus do Nascimento, que convidou o soldado do segundo regimento e alfaiate Inácio da Silva Pimentel e também o alfaiate José do Sacramento, que trabalhava na sua oficina; o ferreiro Joaquim José da Veiga; o cabeleireiro e capitão da milícia dos homens pardos, Joaquim José de Santana; o escravo africano Vicente (é o único escravo africano que aparece na documentação de 1798) e o menino escravo e aprendiz de alfaiate, João; Lucas Dantas, que convidou o soldado do primeiro regimento, José Joaquim de Siqueira, branco nascido em Portugal.
Três convidados denunciaram / delataram a reunião: o cabeleireiro Joaquim José de
Santana, que era capitão da milícia dos pardos, o ferreiro Joaquim José de Veiga e o soldado José Joaquim de Siqueira, o convidado de Lucas Dantas. O governador entregou a
diligência policial ao tenente-coronel Alexandre Teotônio de Sousa e determinou ao
desembargador Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto que realizasse a devassa, identificasse os responsáveis “pela pretendida sedição”.
26 de agosto, domingo – Pela manhã deu-se início as prisões e a abertura de nova
Devassa. As prisões sucederam-se até o início do ano de 1799. Totalizou o número de 41
presos das quais 33 chegaram ao final das devassas. Os culpados, presos e condenados,
tiveram como advogado de defesa o Bacharel José Barbosa de Oliveira, escolhido pela
Santa Casa de Misericórdia. O referido Bacharel foi aceito pelo Tribunal da Relação como
defensor dos réus e ao mesmo tempo, curador dos menores arrolados no processo.
22 de dezembro, sábado – Chegaram à Cidade do Salvador Ordens Régias da Coroa,
emanadas do príncipe D. João, filho de D. Maria I, que governava em seu lugar, exigindo a
imediata e a mais severa punição para os culpados.
1799
20 de fevereiro – formalmente foram identificados 32 presos.
14 de março – indicado pela Sta. Casa de Misericórdia, o advogado José Barbosa de
Oliveira para defender os presos.
05 de julho – conclusão do processo.
05 de novembro – o Tribunal da Relação, com aprovação e assinatura de todos os desembargadores anteriormente referidos, decidiu pela condenação dos culpados. O advogado dos presos apresentou sucessivos embargos, mas foram todos recusados pelo Tribunal. Observe-se em seguida o destino dos 32 implicados que sobreviveram até novembro de 1799.
08 de novembro – Quatro deles foram condenados à morte por enforcamento e executados na Praça da Piedade, localizada bem no centro da Cidade do Salvador.
02 Soldados
- Lucas Dantas de Amorim Torres
- Luís Gonzaga das Virgens
02 Alfaiates
- Manuel Faustino Santos Lira (aprendiz)
- João de Deus do Nascimento (mestre)
Seus nomes e memória tornados “malditos” até a terceira geração. Os corpos dos quatro enforcados foram esquartejados e expostos nos lugares públicos, à época, intensamente freqüentados. A cabeça de Lucas Dantas ficou espetada no Campo do Dique do Desterro. A de Manuel Faustino, no Cruzeiro de São Francisco. A de João de Deus na Rua Direita do Palácio, atual Rua Chile. A cabeça e as mãos de Luís Gonzaga das Virgens ficaram pregadas na forca exibida na Praça da Piedade.
13 de novembro – Em decorrência do mau cheiro e do cenário macabro, foi procedida
a retirada dos despojos após 05 dias expostos. A retirada se fez com a interferência da
Santa Casa de Misericórdia, que os sepultou em local até hoje não identificado.
Sete foram condenados a ser jogados na costa ocidental da África, fora dos domínios de
Portugal. Era uma outra forma de condenação à morte. José de Freitas Sacota e Romão
Pinheiro, deixados em Acará, domínio da Holanda; Manuel de Santana, em Aquito, domínio
da Dinamarca; Inácio da Silva Pimentel, em Castelo da Mina; Luís de França Pires, em Cabo
Corso; José Félix da Costa, em Fortaleza do Moura; e José do Sacramento, em Comenda,
domínio da Inglaterra. Cada um deles recebeu quinhentas chibatadas no pelourinho, que
estava, naquele tempo, no Terreiro de Jesus, e levados depois para assistirem ao suplício de
Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luís Gonzaga e João de Deus, por ordem expressa das
execuções. Pedro Leão de Aguilar Pantoja foi degredado por dez anos no presídio de Benguela.
O escravo Cosme Damião Pereira Bastos, a cinco anos em Angola. Os escravos Inácio Pires9
Revolt a de Búzios ou Conjuração Baiana de 1798: uma chamada para liberdade - Marli Geralda Teixeirae Manuel José de Vera Cruz foram condenados a quinhentos açoites, ficando os seus senhores obrigados a vendê-los para fora da Capitania da Bahia.
Outros quatros tiveram penas que variavam do degredo à prisão temporária. José Raimundo Barata de Almeida foi degredado para a ilha de Fernando de Noronha. Para espiarem as leves imputações que contra eles resultavam dos Autos, como escreveu para Lisboa o governador D. Fernando José de Portugal. Os tenentes Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja e José Gomes de Oliveira Borges permaneceram na cadeia, condenados a “uma prisão temporária de seis meses”. Preso no dia 19 de setembro de 1798, Cipriano José Barata de Almeida foi solto em janeiro de 1800.